... e me deu um recado.
Mas demorei um pouco para reconhecê-lo... por minha lentidão
natural, por estar ocupada com minhas próprias questões e desatenta ao externo,
ou pelo inusitado do acontecido. O fato é que demorei para reconhecê-lo.
E confesso que só percebi depois, e mais nitidamente agora,
que estou escrevendo, que foi ele. Na hora em que estava acontecendo nem pensei
nisso.
Cabelos brancos, barbas brancas... caramba... não é essa a
imagem plasmada de deus no inconsciente coletivo?
Ele aparentava quase 80 anos... e usava boné e jaqueta
jeans, apoiado em uma muleta. Pediu um copo de leite e uns biscoitinhos.
Mas antes dele pedir qualquer coisa, eu abri a porta, claro.
Instintivamente desci para ver quem tocava a campainha. Só deus mesmo para me
levar a fazer isso... eu não atendo quando tocam, a não ser no dia de medição
da Eletropaulo. Mas naquele momento nem pensei, fui movida por algum comando
que partiu de uma área interna mapeada como “Zona do Fluxo”. E acabei de dar
esse nome – acho que é aí que ficam as coisas todas que cumpro sem
questionar, que cumpro apenas para não
impedir a fluência. É como uma zona de obediência ao amor, à luz, ao fluxo...
Ele pediu o que desejava e eu disse “ok, vou pegar e já
volto”.
Subi. Nada de bolachinhas, estavam moles demais. Mas peguei
os pãezinhos de fubá que havia comprado dias antes. Estavam muito macios.
Entreguei a ele, bebeu o leite como se não tomasse isso há
tempos. E guardou os pãezinhos para comer no ônibus. Estava indo pra Curitiba.
E deus começou a falar... olhando nos meus olhos. Os meus
olhos olhando nos meus olhos. Sim, eu via os meus olhos me olhando... Estranha
sensação. Quase 80 anos com olhos brilhantes como os meus. Sequer um sinal de
catarata, de falta de brilho. Cílios longos e fartos, como os meus. Cor de mel
ao sol, como os meus. Eram, sim, os meus olhos... e eu estava vendo meus olhos
me olharem...
“Nós os buscadores somos os que menos sabem... cada vez que
achamos que entendemos alguma coisa, percebemos que não sabemos é nada, não é
moça!? E no momento em que achamos que realmente aprendemos... estamos parando
de aprender e nos fechando.”
Meus olhos não desviavam dos meus olhos.
E continuou...
“Temos que ser felizes e sobretudo temos que ser alegres
sempre. É uma bênção a vida e sempre tem alguém com mais problemas, não é
mesmo?” E olhou para trás como se houvesse alguém...
“Vejo que você tem um Ganesh em seu pescoço.” E lá estava
ele cantarolando o mantra Hare Krshna... inteirinho, sem errar...
“Vejo o Olho de
Hórus, o olho daquele que tudo vê e tudo sabe na sua parede e vejo que também
conhece o significado da cruz da vida eterna”, disse olhando a tatoo da Cruz Ansata
em meu pulso.
“E outro dia eu estava ouvindo um desses pastores... entrei
para descansar um pouco naquele lugar e fiquei lá ouvindo ele dizer que ele ia
pro céu, ele e quem estivesse com ele. Pensei – então eu não vou!” E soltou uma
bela gargalhada que me fez rir junto.
“Poxa! Então ele, pra mim, se intitulou Deus... quem ele
pensa que é para julgar alguém? Só sendo Deus! Se é que Deus julga. Para isso
nos deu coração, não é moça? Quem somos nós para julgar quem quer que seja?
“Além do quê, moça, vai ser muito engraçado quando os Ets
começarem a aparecer pra valer... vão assustar muita gente, não é mesmo?!” E
nova gargalhada ecoou preenchendo o ar ao nosso redor.
“Eu sou grego e sou maluco. Não sou doido, sou maluco, moça.
Sou um andarilho, um buscador, e não carrego nada comigo. Nenhum peso extra. Só
o que eu sou e penso e digo.
“Meu nome é Manuel. Tudo de bom pra você! Mantenha esse
alto-astral! Quem dera fôssemos atendidos sempre por pessoas como você, com
esse sorriso!”
Reproduzi o mais fielmente que pude nossa conversa... quase
um monólogo, na verdade. Depois que entrei, sentindo mais do que pensando, me
vi como uma criança recebendo uma lição – sabe aquele sermão encomendado que um
amigo pede para o outro amigo falar porque sabe que você está com algum
problema? Então... foi assim que senti.
E senti como uma grande bênção, um verdadeiro presente
aquela visita inusitada acontecer num momento em que eu estava com tantos
questionamentos.
Sempre tenho muitos questionamentos, muitas dúvidas, muita
curiosidade e eternos períodos de auto-avaliação... mas naquele dia
especialmente eram questões muito específicas... por mero acaso, claro, as
questões que ele tocou...
Meu coração estava tão pleno, tão repleto de uma alegria
pura... Só a voz dos mensageiros mesmo para gerar esse estado interno de
plenitude! E eu estive cara-a-cara com um deles ali, na minha porta, tomando
leite... E há tanto que eu gostaria de perguntar...
Não sei se perdi a oportunidade de questionar ou se tudo foi
feito de tal forma para que eu ficasse quieta mesmo - coisa rara de acontecer
ainda – calada, apenas ouvindo o recado.
Recado dado usando as minhas palavras, como se eu falasse
comigo, como naqueles diálogos internos em que perguntamos e respondemos a nós
mesmos.
Recado dado olho-no-olho, sem meias palavras, sem
máscaras... Como um completo estranho poderia saber que eu não o colocaria pra
correr ao falar aquelas coisas? Bem, mensageiros apenas entregam mensagens, não
é mesmo? Correm todos os riscos, enfrentam as feras e o mal tempo para cumprir
suas missões.
Minha alma é grata por essa experiência.
Fica a dica de sempre, básica e sempre válida: as respostas
às nossas questões podem chegar a qualquer momento, de qualquer lugar.
Estejamos vigilantes, atentos à voz (interna) de deus que fala conosco o tempo todo, mas
só podemos ouvi-la quando silenciamos a nossa própria voz. Quando silenciamos
nossos pensamentos e aquietamos nossas emoções.
Hare Krshna.
Sampa, 10/10/2012